Estudo da mente: não há futuro sem o estudo do
espírito
Dr. Nubor Facure
O que há
de mais significativo na atualidade é que o avanço tecnológico que nos permitiu
conhecer mais intimamente a fisiologia cerebral permitiu trazer o estudo da mente
para o campo da ciência depois de séculos de especulações filosóficas.(1) Nunca se
ignorou que processamos fenômenos mentais como o pensamento, a imaginação, a
noção de tempo, o calculo mental e as nossas memórias, especialmente aquelas
que nos aborrecem e não desgrudam de nós.(2)
Curiosamente,
a pergunta para a qual mais respostas temos é, exatamente, como funciona a
mente — várias escolas do pensamento filosófico e científico se propuseram a
respondê-la. Podemos questionar, em primeiro lugar, se existe realmente um
mentalismo, uma atividade mental que seria ligada a, ou independente de, outras
atividades fisiológicas, especialmente cerebrais como são a visão, o movimento,
a dor ou o simples palpitar do coração após um susto que nos emociona. Ainda
hoje não existe uma unanimidade sobre a existência ou não da mente, o que torna
o tema sempre muito instigante.
Filósofos
clássicos e médicos-filósofos coma Hipocrates e Galeno demonstraram uma
convicção na existência imaterial da Alma e na sua competência em pôr em
funcionamento nosso organismo. A Alma ou Psique seria, necessariamente,
responsável per nossas percepções e sensações. Havia, na discussão filosófica
clássica uma série de preocupações, em particular, com a localização da Alma,
sua permanência após a morte do corpo físico e, até mesmo, sua existência
previa, antes do nascimento(3).
Mesmo sem
negar a existência da Alma, Alcameon de Crotona e Hipócrates atribuíam ao
Cérebro a causa de todas as nossas sensações e percepções. No período romano
ninguém supera as lições de Galeno, que introduziu a noção de uma substância
imaterial que daria a todo o nosso corpo sua dinâmica de funcionamento. No
cérebro, ocorreriam nossas atividades motoras, sensitivas e racionais.
Na visão
eclesiástica da mente, esse conjunto clássico de proposições
"médicofilosóficas" foi de extrema conveniência para a Igreja da
Idade Média, que o apoiou sem contestação, fazendo apenas ajustes para
adequá-los ao pensamento teológico vigente.(4) Mas, rompendo com o passado. René
Descartes sabiamente criou uma dualidade conveniente, separando a Alma (e suas
paixões) do Corpo. Em 1804, Franz Gall relacionou as funções mentais com
saliências do crânio, dando início a interpretação localizacionista das funções
cerebrais, fato que veio a se sedimentar em 1867 com a apresentação pública de
Paul Brocá da descoberta da localização cerebral da palavra falada, no pé da
circunvolução frontal esquerda. (5)
No
entanto, permaneceu o dilema dualista. Qual a competência e a extensão de cada
componente, o corpo ou a Alma? Qual a maior ou a menor influência, a do
ambiente ou a da hereditariedade? O quanto são ideias inatas e o quanta é fruto
do aprendizado? Provém do Espírito o nosso livre-arbítrio ou somas compelidos a
reagir a condicionamentos? Para Baruch Spinosa o cérebro está comprometido em
nossas decisões e nosso aprendizado deixa marcas permanentes no cérebro. Não se
estranha, portanto, que Antônio Damásio afirme que o cérebro constrói o homem.(6)
No final
do século XIX, surge a psicologia como ciência, com duas correntes principais:
o estruturalismo, que estuda os elementos constitutivos da mente, e o
funcionalismo, que estuda as múltiplas funções da mente: como percebemos o
mundo, ou tomamos decisões, ou registramos o que ouvimos e vemos, ou separamos
sensações agradáveis de outras incômodas e nocivas. Freud inaugurou o estudo
moderno sobre o funcionamento da mente a partir da atuação de uma força
inconsciente que dirige nossas ações. Somos impulsionados por essa força
inconsciente e inteiramente controlados por ela. Freud enxergou na mente um
aparelho psíquico com três componentes: O Id, o Ego e o Superego. Com esses
fundamentos Freud construiu a Psicanálise, revolucionando a abordagem e o
tratamento das neuroses. (7)
Segundo o
movimento da Gestalt, a mente não é formada pela soma de seus componentes e de
suas funções. Pela sua complexidade ela é, no seu todo, sempre maior que a soma
dos seus elementos. Em suas propriedades a mente inclui o contexto onde os
fenômenos ocorrem - imagine um banco de jardim, ali ele tem uma função, se
colocado no banheiro da casa ele fará um papel totalmente diferente. Na Gestalt
considera-se que sempre realizamos um trabalho mental interno para solucionar
um problema. Enquanto o behaviorismo considera que simplesmente reagimos a
estímulos para agir, na Gestalt o “insight” é fundamental na construção
dos nossos comportamentos. Devo pensar e fazer minhas escolhas antes de
decidir.
O
fisiologista russo Ivan Pavlov demonstrou que podemos produzir comportamentos
novos em um animal, associando um estimulo natural como a presença de um pedaço
de carne, a um sinal neutro do tipo do ruído de uma sineta, condicionando uma
resposta especifica que seria a salivação. Já o psicólogo norte-americano John
Watson condicionou comportamentos humanos desenvolvendo a teoria do
Behaviorismo, aperfeiçoada por Skinner, que sugere um ser humano moldado por
estímulos, dispensando a existência das funções cognitivas como pensamento,
percepção, memórias e principalmente postula que não existe uma mente em nós.
Assim: o que interessa são as circunstancias e as consequências das ações que
nos motivam; o Self é apenas um repertório de comportamentos adequados para
determinada serie de contingências; não existe urna atividade mental entre o
estímulo e a resposta; para entendermos o comportamento, os processos mentais
são irrelevantes e ao mesmo tempo inacessíveis; basta-nos considerar: o
ambiente em que a resposta ocorre, a resposta em si (tipo), as consequências
das respostas.
O recente
campo das Neurociências apresenta-se com acertos e também com sua falácia.
Estudos clínicos em pacientes vitimas de ferimentos cranianos, de lesões,
tumores ou doença vascular cerebral permitiram acumular um precioso conhecimento
sobre as funções das diversas áreas cerebrais. Desenvolveram-se duas grandes
vertentes desse conhecimento, uma baseada no localizacionismo, na qual cada
área cerebral revelou que função se relaciona, e outra construiu sistemas de
funcionamento, como, per exemplo, para a linguagem e para as atividades
motoras. A mente passou a ser reconhecida como um epifenômeno da complexa
atividade cerebral.(8)
No campo
da fisiologia, Erick Kandel realizou estudos com neurônios isolados da Aplisia,
uma lesma do mar, demonstrando dois fenômenos da fisiologia dos neurônios: a
sensibilização e a habituação. Essa atividade neurofisiológica, de aparência
simples, conseguiu esclarecer nossos mecanismos de aprendizagem e de memória em
toda a sua complexidade.(9)
No estudo
dos neurotransmissores, a química cerebral, a partir da descoberta da
acetilcolina, já inclui cerca de 30 neurotransmissores que estão nitidamente
ligados aos fenômenos mentais, sejam os nossos desejos, como os nossos
comportamentos, tanto agressivos quanto românticos, e assumem um papel de
extrema importância no manejo das doenças mentais.
No campo
da neuroimagem, com a introdução da Ressonância cerebral e seus
aperfeiçoamentos, explodiu uma revolução nos labirintos do cérebro. Área por
área, função por função estão sendo escaneadas para criar uma nova ciência da
mente. O detalhamento é tão grande e a meu ver exagerado, que se propõe a
identificar áreas ligadas a nossa preferência, até por um determinado sabor de
sorvete. E é essa extravagância que gerou uma falácia na neurociência.(10)
No máximo,
essas imagens podem nos dizer que determinada atividade como, por exemplo,
pensar na solução de um lance num jogo de xadrez ou fazer uma identificação de
um rosto bonito, pode estar ocorrendo em determinada área do cérebro, mas isso
não nos permite dizer que é aquela área que faz o lance no xadrez ou determina
a escolha do rosto. A neuroimagem não consegue incluir a pessoa humana no
comando da atividade cerebral. As mãos de Eurídice em súplica, a mãos que
apedreja, os lábios que beijei. O olhar de espanto quando me viu, ou o gesto de
adeus, são figuras possíveis na poesia, mas, nada acontece sem que a Alma se
manifeste. Seria muito cômodo eu dizer ao meu gerente no banco que mais tarde
meus neurônios passam para lhe pagar meu debito em conta.(11)
<!--[if !supportLists]-->Ø <!--[endif]-->A mente
pode ser tomada como sinônimo de Alma, portanto, não é de se estranhar que
possa ser dito que a mente não é uma simples propriedade do cérebro mas é uma
entidade corpórea;
<!--[if !supportLists]-->Ø <!--[endif]-->Essa
alma/mente não nasce criada em um paraíso bíblico, ela percorre a mesma jornada
evolutiva na mesma escala de desenvolvimento da vida na Terra. Em suas memórias
estão registradas todas as experiências de reencarnações sucessivas que
percorreu, o que, possivelmente, tem a ver com os arquétipos junguianos;
<!--[if !supportLists]-->Ø <!--[endif]-->A cada vida
que recomeça, a Alma traz suas tendências e seus compromissos cármicos que lhe
permitem o resgate de suas faltas e o recomeço de sua trajetória evolutiva —
daí o significado da dor e do sofrimento na história de vida de cada um de nós;
<!--[if !supportLists]-->Ø <!--[endif]-->A Alma não
e prisioneira do corpo físico, podendo frequentemente dele se desdobrar e
entrar em sintonia com o mundo espiritual. Isso explica as descrições das EQM-
experiências de quase morte, das experiências fora do corpo, dos sonhos
lúcidos, das alucinações hipnagógicas e da comunicação espírita:
<!--[if !supportLists]-->Ø <!--[endif]-->O
pensamento não e um fenômeno etéreo, ele é energia procedente da Alma, que cria
uma psicosfera em torno de cada um que o emite, estabelecendo sintonia com
todas as Almas que afinam opiniões semelhantes. Isso explica a atração de
simpatia e antipatia entre as pessoas;
<!--[if !supportLists]-->Ø <!--[endif]-->Nossos
sentidos físicos trafegam informações pelo cérebro onde elas são processadas
pela Alma. conforme suas experiências previas — as alterações químicas do
cérebro têm repercussões graves nas percepções que realiza a Alma, assim como
temos perturbações da própria Alma que desequilibram a fisiologia do cérebro.
Nossa
contribuição pessoal e a de uma metaneurologia e o Corpo mental.(12) Existem
situações neurológicas diversas que nos permitem constatar a existência de uma
estrutura corporificada representando nossa mente — o corpo mental tem uma
anatomia e uma fisiologia compatíveis com situações clínicas conhecidas dos
neurologistas. Pacientes com síndromes histéricas(13) constroem mentalmente seus
sintomas paralíticos ou suas insensibilidades obedecendo a um padrão uniforme
compatível com o corpo mental. A narcolepsia, o membro fantasma (14), as
memórias e paralisias geradas pela hipnose(15) encaixam-se corretamente no corpo
mental. Dai a minha sugestão de construirmos uma metaneurologia baseada no
corpo mental — que nos abre a possibilidade de avaliação experimental da mente.
Nosso futuro tecnológico trará situações extraordinárias e surpreendentes.
Vamos lidar cada vez mais com máquinas que obedecerão ao pensamento, mas, cedo
ou tarde, o Espírito terá de ser admitido no estudo da mente.
Nubor
Facure é médico neurocirurgião, especialista em neurologia, fundador e Diretor
do Instituto do Cérebro (Campinas, SP).
(1)THOMPSON, R.F. O Cérebro: uma introdução à neurociência. 3.ed. São
Paulo:Livraria Santos Editora, 2005.
(2)LENT, R. Cem bilhões de neurônios, conceitos fundamentais de
neurociência. 2ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2010.
(3)Para Sócrates, está na Psyqué a sede da inteligência e do caráter.
Platão ensinava que todo conhecimento é trazido pela Alma do "mundo das
ideias", que é preexistente ao nascimento. Ele descreve a existência de 3
Almas: Vegetativa, situada no fígado e responsável pela nutrição, o crescimento
e as paixões inferiores como a luxuria e a ganância; Vital, situada no coração,
relacionada com a coragem, as paixões e as disputas: e Imortal, que ele
localizava no cérebro. Aristóteles considerava que todo conhecimento provém dos
sentidos, nada é sabido antes do nascimento, é o pensamento precursor da
"tabula rasa" que se encontra em Locke e Pinker.
(4)Podemos resumir os tópicos principais admitidos pela Igreja da época:
existe a Alma criada ao nascermos. Responsável pelos nossos sentimentos,
memórias e pensamentos; ela nasce ignorante e inocente, tudo aprendendo de
acordo com os estímulos que atingem os sentidos. Nossas emoções estão ligadas
aos humores que circulam em nosso sangue. A Alma sobrevive à morte do corpo
físico com o qual está fortemente ligada.
(5)RATEY, J.J. O cérebro: um guia para o usuário. Rio de Janeiro: Objetiva,
2002.
(6)DAMASIO. A.R. E o cérebro criou o homem. São Paulo: Companhia das
Letras, 2009.
(7)GAZZANIGA, M.S.: HEATHERTON, T.F. Ciência psicológica, mente, cérebro e
comportamento. 2ªimp.rev.reimp. Porto Alegre: Artmed, 2007.
(8)Rose, S. O cérebro do século XXI: como entender, manipular e desenvolver
a mente. São Paulo:Globo.2006.
(9)DALGALARRONDO, P. Evolução do cérebro, sistema nervoso, psicologia e
psicopatologia sob a perspectiva evolucionista. Porto Alegre: Artmed. 2011.
(10)BENNET, M.R.; HACKER, M.S. Fundamentos filosóficos da neurociência.
Lisboa: Instituto Piaget - Stória Editores LDA., 2005.
(11)BASTOS, L. B. Cientistas e feiticeiros: uma abordagem critica da
psiquiatria atual. Rio de Janeiro; Revinter, 2012.
(12) FACURE, Nubor. O "corpo mental" como expressão clínica da
mente: Uma hipótese alternativa para o estudo da mente. Revista de
Ciências Medicas de Campinas.14(1):97-101,jan/fev.,2005.
(13)HALLIGAN, P.
W. New approaches to conversion hysteria. BMJ 2000; 320: 1488-1489 (3june).
(14)MELZACK. R.;
ISRAEL, R.; LACROIX, R.; SCHULTZ G. Phantom limbs in people with congenital
limb deficiency or amputation in early childhood. Brain 1997; 120 (9) 1603-1620
(15)HALLIGAN.
P.W.; ATHVVAL, B.S.; OAKLEY, D.A.; FRANCKOWIAK, R.S.J. Imaging hipnotic
paralysis: Implications for conversion hysteria. The Lancet, 2000; 355:986-987.
Revista Cultura Espírita Nº 42 Set/2012
FONTE: http://tdmmagnetismobatuira.blogspot.com.br/2012/11/estudo-da-mente-nao-ha-futuro-sem-o.html