O poder
da meditação
A técnica ganha
espaço em instituições renomadas e prova ser eficaz contra um leque cada vez
maior de doenças. Entre elas, a depressão, males cardíacos e até Aids
Cilene
Pereira e Maíra Magro
Ela chegou ao
Ocidente como mais um item da lista de atrações exóticas do Oriente. Hoje, está
se transformando em um dos mais respeitados recursos terapêuticos usados pela
medicina que conhecemos. Está se falando aqui da meditação, uma prática milenar
cujo principal objetivo é limpar a mente dos milhares de pensamentos
desnecessários que por ela passam a cada minuto, ajudando o indivíduo a se
concentrar no momento presente. É por essa razão que um de seus benefícios é o
de ajudar as pessoas a lidar com sentimentos como a ansiedade. Mas o que se tem
visto, de acordo com as numerosas pesquisas científicas a respeito da técnica,
é que a meditação se firma cada vez mais como uma espécie de remédio –
acessível e sem efeitos colaterais – indicado para um leque já amplo de
enfermidades: da depressão ao controle da dor, da artrite reumatoide aos
efeitos colaterais do câncer.
A inclusão da
prática no rol de tratamentos da medicina ocidental é um fenômeno mundial. Nos
Estados Unidos, por exemplo, ela figura entre as opções de centros renomados
como o Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, um dos centros de referência do
planeta no tratamento da doença. Também está disponível na Clínica Mayo, outro
respeitado serviço de saúde. No Brasil, o método começa a ganhar espaço, boa
parte dele assegurado pela Política de Práticas Integrativas e Complementares
do SUS, implementada em 2006 pelo Ministério da Saúde. Ela incentiva o uso,
pela rede pública, de uma série de práticas não convencionais – como a medicina
tradicional chinesa, a acupuntura e a fitoterapia – para auxiliar no processo
de cura. “Nessas diretrizes, a meditação está prevista como parte integrante da
medicina chinesa”, explica a médica sanitarista Carmem De Simoni, coordenadora
do programa.
Em Campinas, no
interior de São Paulo, 20 postos de saúde oferecem treinamentos de meditação
gratuitos à população. Em São Carlos, também no interior paulista, alguns
postos públicos de atendimento começarão a ofertar este ano sessões usando uma
técnica conhecida como atenção plena (Mindfulness-Based Stress Reduction, ou
MBSR, em inglês), desenvolvida pelo Centro Médico da Universidade de
Massachusetts, nos Estados Unidos. É baseada em exercícios de respiração e
consciência corporal que ajudam o indivíduo a focar as percepções no momento
presente. “Queremos incluir a prática em 30 unidades de saúde”, diz Marcelo
Demarzo, chefe do Departamento de Medicina da Universidade Federal de São
Carlos.
Outra experiência
interessante no Brasil é o uso do método em escolas da rede estadual do ensino
médio do Rio de Janeiro. Trata-se de uma iniciativa da Fundação David Lynch,
criada pelo cineasta americano, com o objetivo de reduzir a violência nos
colégios por meio da prática. Um projeto piloto com cerca de 750 crianças e
adolescentes de 10 a 18 anos mostrou que ela contribui para o aumento da
concentração e da criatividade. “Muitas relataram ainda benefícios como redução
de crises de dor de cabeça”, diz Joan Roura, representante da entidade no
Brasil.
O Hospital Albert
Einstein, em São Paulo, decidiu oferecer a prática tanto para pacientes quanto
para funcionários, depois de testá-la por dois anos no setor de oncologia. “Nos
pacientes em tratamento contra o câncer, notamos uma diminuição na ansiedade e
maior disposição para enfrentar a doença”, afirma o médico Paulo de Tarso Lima.
Ele é responsável pelo serviço de medicina integrativa no hospital, que promove
a adoção de terapias complementares – entre elas, a meditação – para auxiliar
no tratamento convencional.
O movimento que se
observa atualmente com a meditação é o mesmo experimentado pela acupuntura
cerca de dez anos atrás. Da mesma forma que o método das agulhas, ela conquista
o respeito da medicina tradicional porque tem passado nas provas de eficácia
realizadas de acordo com a ciência ocidental. Isso quer dizer que, aos olhos
dos pesquisadores, foi despida de qualquer caráter esotérico, mostrando-se, ao
contrário, um recurso possível a todos – ninguém precisa ser guru indiano para
praticá-lo – e de fato capaz de promover no organismo mudanças fisiológicas
importantes.
A profusão de
pesquisas que apontam algumas dessas alterações é grande. Os resultados mais
impressionantes vêm dos estudos que se propõem a investigar seus efeitos no
cérebro. Um exemplo é o trabalho realizado na Universidade da Califórnia, nos
Estados Unidos, e publicado na revista científica “NeuroImage”. Após compararem
o cérebro de 22 meditadores com o de 22 pessoas que nunca meditaram, eles
descobriram que os praticantes possuem algumas estruturas cerebrais maiores do
que as dos não praticantes. Especificamente, hipocampo, tálamo e córtex
orbitofrontal. As duas primeiras estão envolvidas no processamento das emoções.
E a terceira região, no raciocínio. “Sabemos que as pessoas que meditam têm uma
habilidade singular para cultivar emoções positivas”, disse à ISTOÉ Eileen
Luders, do Laboratório de Neuroimagem da universidade. “As diferenças
observadas na anatomia cerebral desses indivíduos nos deram uma pista da razão
desse fenômeno.”
Na publicação
“Psychological Science”, há outro trabalho interessante. Pesquisadores da
Universidade George Mason constataram que a prática proporciona uma melhora
significativa na memória visual. Normalmente, uma imagem é armazenada
integralmente no cérebro por pouquíssimo tempo. Mas o estudo verificou que
monges, habituados a meditar todos os dias, conseguem guardá-las – com riqueza
de detalhes – até 30 minutos depois de praticar. “Isso significa que a
meditação melhora muito este tipo de memória, mesmo após um certo período”,
disse à ISTOÉ Maria Kozhenikov, autora do experimento. Essa habilidade
transforma a técnica em um potencial instrumento para complementar o tratamento
de doenças que prejudiquem a memória, como o mal de Alzheimer.
No Instituto do
Cérebro do Hospital Albert Einstein, aqui no Brasil, pela técnica de
ressonância magnética foram fotografados os cérebros de 100 voluntários, antes
e depois de um retiro de uma semana para práticas diárias. “Na análise de uma
primeira amostra, observamos que as áreas ligadas à atenção, como o córtex
pré-frontal e o cíngulo anterior, ficaram mais ativadas após o treinamento”,
afirma a bióloga Elisa Kozasa, responsável pela pesquisa. As regiões cerebrais
eram observadas enquanto os voluntários realizavam testes para medir o quanto
estavam atentos. “Houve uma tendência de maior número de acertos e mais
velocidade nas respostas após a meditação”, explica a pesquisadora Elisa.
Na área da
oncologia, há várias evidências científicas de eficácia. Tome-se como exemplo o
estudo feito na Universidade de Brasília pelo psiquiatra Juarez Iório
Castellar. Ele investiga os efeitos do método em 80 pacientes com histórico de
câncer de mama. Castellar pediu às participantes que preenchessem questionários
para medir a qualidade de vida. Por meio da coleta de amostras de sangue e
saliva antes e depois dos exercícios meditativos, ele também está acompanhando
variações hormonais que indicam a situação da doença. “Um dos dados que já
verificamos é que a meditação reduziu os efeitos colaterais da quimioterapia,
como náuseas, vômitos, insônia e inapetência”, afirma.
Outra frente de
pesquisas tenta decifrar seu impacto nas doenças mentais. Novamente, as
conclusões são bem animadoras. Na Universidade de Exeter, na Inglaterra, o
pesquisador Willem Kuyken verificou que o método é uma opção concreta para
auxiliar no controle da depressão a longo prazo. Depois de 15 meses comparando
a evolução de pacientes que meditavam e tomavam remédios com a apresentada por
aqueles que apenas usavam os antidepressivos, o cientista constatou que crises
mais sérias ocorreram em 47% dos meditadores, enquanto entre os outros o índice
foi de 60%. Na Universidade George Washington, nos Estados Unidos, a técnica
provou-se uma aliada no tratamento de crianças com transtorno de hiperatividade
e déficit de atenção. “Houve redução de 50% dos sintomas após três meses de
prática”, disse à ISTOÉ Sarina Grosswald, coordenadora da pesquisa. Há ainda
evidências de benefícios na luta contra transtornos alimentares como bulimia e
dependência de drogas. “A meditação relaxa os dependentes e os torna mais
fortes para resistir à vontade de consumir drogas”, explicou à ISTOÉ Elias
Dakwar, do Instituto de Psiquiatria do Columbia-Presbyterian Medical Center, em
Nova York, instituição que passou a usar o método recentemente.
O segredo que
possibilita efeitos dessa magnitude nestes tipos de patologias é o fato de a
meditação ensinar o indivíduo a viver o presente, sem antecipar medos e
sofrimentos. “E como o ato de pensar é ‘desligado’, a mente transcende seu
estado ocupado e experimenta um profundo silêncio”, explica Sarina Grosswald.
“O corpo, por sua vez, fica totalmente relaxado.” É este o mecanismo que também
explica parte do seu poder contra a dor. “O método ajuda os pacientes a
perceberem a dor e a deixá-la ir embora, sem se prender a ela”, disse à ISTOÉ
Paula Goolkasian, da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Ela
faz parte de uma equipe que estuda intensamente a relação entre dor e meditação
e é autora de alguns artigos científicos a respeito do tema.
Permeando todos
esses processos, porém, está a redução do stress proporcionada pelo método – e
os benefícios advindos disso. O controle da tensão implica mudanças importantes
na química cerebral, entre elas a diminuição da produção do cortisol. Liberado
em situações de stress, o hormônio tem consequências danosas. Uma delas é a
elevação da pressão arterial. Portanto, quanto menor sua concentração, mais
baixas são as chances de hipertensão. E como a meditação diminui o stress,
acaba reduzindo, indiretamente, a pressão. Este mecanismo explica por que a
técnica contribui para a prevenção de doenças cardiovasculares, como o infarto
e o acidente vascular cerebral, causadas, entre outras coisas, por uma pressão
arterial acima dos níveis recomendados. Um estudo recente realizado na
Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, deu uma ideia desse potencial.
Durante nove anos, os cientistas acompanharam 201 homens e mulheres com média
de 59 anos de idade. Parte foi orientada a meditar todos os dias e o restante
recebeu recomendação para mudar hábitos. Os meditadores tiveram 47% menos
chance de morrer de um problema cardiovascular em comparação com os outros. Com
base nesse resultado, o coordenador da pesquisa, Robert Schneider, considera
que a descoberta equivale ao encontro de uma nova classe de “remédios” para
evitar essas enfermidades. “Nesse caso, a medicação é derivada dos próprios
mecanismos de cura do corpo e de sua farmácia interna”, disse à ISTOÉ.
A ciência registrou
ainda mais um impacto positivo da redução do stress promovida pelo método: o
auxílio contra a Aids. A doença caracteriza-se pelo ataque do vírus HIV aos
linfócitos CD-4 (células que integram o sistema de defesa do corpo). Por causa
disso, o corpo fica mais vulnerável a infecções, podendo sucumbir a elas. Mas é
sabido que outro inimigo dos exércitos de defesa é o stress: o hormônio
cortisol enfraquece seu funcionamento. Por isso, diminuir a tensão é uma
maneira de evitar que isso aconteça. Na Universidade da Califórnia, nos Estados
Unidos, os cientistas testaram a força da meditação para controlar o stress em
pacientes com Aids e constataram que, também aqui, ela funciona. Eles
selecionaram 48 pessoas soropositivas, divididas em dois grupos: um meditou e o
outro, não. Após oito semanas, os que a praticaram não apresentavam perda de
CD-4, ao contrário dos outros participantes. Isso revela que a meditação
reduziu o stress. Dessa maneira, contribuiu para preservar o sistema
imunológico dos pacientes, ajudando a retardar o avanço do HIV.
Uma das mais
intrigantes abordagens de pesquisa é a que estuda a relação entre o método e o
envelhecimento precoce. Os pesquisadores começaram a fazer essa associação a
partir da certeza do vínculo entre o stress – ele de novo – e a ocorrência de
uma deterioração celular acentuada. Partindo desse raciocínio, eles querem
saber se a meditação também teria efeito indireto nesse mecanismo, já que atua
sobre o stress. Cientistas da Universidade da Califórnia estão investigando se
a redução do stress causada pela meditação poderia provocar um efeito benéfico
sobre os telômeros – espécie de capa protetora das extremidades dos cromossomos
cujo comprimento está associado ao grau de envelhecimento celular. Quanto mais
comprido, menor o índice de desgaste. E um dos fatores de desgaste dos
telômeros é o stress. Portanto, quanto menos stress, mais preservadas essas
estruturas.
No Brasil, o
interesse por esse tema, especificamente, também cresce. O médico José Antônio
Esper Curiati, do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas de São Paulo,
por exemplo, coordena grupos de meditação para idosos. “Estou medindo os
efeitos da prática em aspectos como memória, humor e qualidade do sono”, diz.
No Centro de Estudos do Envelhecimento da Universidade Federal de São Paulo, o
médico Fernando Bignardi é outro que acompanha os reflexos em indivíduos na
terceira idade. “O que notamos de mais imediato é uma mudança na condição
emocional”, relata. “Depois há uma melhora no sono, nas condições metabólicas
e, finalmente, alterações clínicas que levam à melhora de doenças como
hipertensão e diabetes.”
A experiência
bem-sucedida incentivou Bignardi a desenvolver uma pesquisa mais ampla. A
instituição acompanha a saúde de 1,5 mil idosos para verificar a relação entre
estilo de vida, personalidade, cognição e doenças. A intenção agora é analisar
como a prática meditativa interfere nessa equação – inclusive na incidência de
doenças neurodegenerativas como o mal de Alzheimer. A médica Edith Horibe,
presidente da Academia Brasileira de Medicina Antienvelhecimento, já indica a
meditação para seus pacientes. “Sem dúvida, ela permite uma vida mais longa e
com saúde”, afirma. “E a técnica não exige mudanças no estilo de vida”,
completa Kleber Tani, diretor da seção carioca da Sociedade Internacional de
Meditação.